A Crônica: A Lei de Murphy — Andreia Donadon Leal

Andreia Donadon Leal

 

A Lei de Murphy

Andreia Donadon Leal

 

MARIANA [ ABN NEWS ] — Segunda-feira, dia de fazer contrariedades; especificamente coisas chatas e postergadas da semana anterior. Segunda é dia de feira, é dia de fazer aquele exame desconfortável, postergado e temível durante algum ou muito tempo. É dia de aprumar corpo e coragem, empinando peito, colocando a barba de molho para encarar aquela colonoscopia, ou endoscopia, ou cateterismo, ou visita ao banco, ao dentista. Deus nos livre destes dissabores, mas é assim que funciona a roda da vida. Segunda é dia de enfrentar fila quilométrica de banco, parecendo que todo mundo resolveu ir à agência justamente no dia em que você colocou os pés pra fora de casa! O que tiver de dar zebra nesse dia dará; é a lei de Murphy, que conspira com a perversidade do universo. Dia nublado, ventoso, poeirento, chuviscoso. Vento joga ciscos diretamente nos olhos já irritados. Passeios das ruas apinhados de pessoas que andam devagar quase parando. Chegar até o banco parece mais demorado do que de costume. A porta de metal apita por causa de uma chave. Depois de tirar todas as chaves e pratas da bolsinha, a porta libera passagem. Os atendentes nas mesas parecem que estão trabalhando em marcha lenta. O atendimento não anda, não desenvolve. Demoram, demoram e demoram. Deve ser muita demanda de empréstimos, renegociações de dívidas, penso esperançosa. Sete funcionários à mesa obedecem rigidamente os números das senhas. Sou o 59. Trinta pessoas na minha frente. Olho o relógio, conjecturo ser atendida daqui a umas boas duas horas, dependendo do desenvolvimento dos trabalhos. Uma mulher ao meu lado reclama sono. É funcionária de farmácia de um hospital. Passou a noite inteira em claro, e de lá foi diretamente ao banco. Sua filha reclama estar com fome, e cansada de esperar. Ela pede paciência. Eu reforço o conselho da mãe, mas até eu começo a perdê-la também, quando percebo que a única atendente mulher (justamente uma mulher!) está passando os conhecidos dela, sem senha, na frente dos outros que estão ali há horas! Penso em descer e reclamar com o gerente.

‘Inadmissível! Injusto! Vou reclamar com o chefe dela!’

Falo rangendo os dentes. Outra mulher mais velha, diz que não adianta, pois não é a primeira vez que isso acontece. Desisto imediatamente. A contrariedade segundafeirística não deve ser maior do que o próprio dia da semana. Sou atendida depois de duas horas e trinta e cinco minutos. O atendente, graças à minha parcial sorte ilusória, bem humorado, simpático, educado, sorridente, conhecedor de todas as transações bancárias. Sorte nada, pois o universo quando conspira para que tudo seja moroso para você, tudo assim será até o fim do dia. Meu atendimento é mais moroso do que os outros clientes, porque dois recém- funcionários tiram suas dúvidas com o atendente experiente, que para continuamente para acudi-los. Olho para o teto. Reviro os olhos, tentando chamar a atenção do funcionário, que levanta da mesa para explicar ao colega como terminar a transação Western Union. O cliente ao lado sorri e pisca galanteador para mim. Esboço um sorriso sem graça na boca. Inacreditável. Só me faltava esta para completar a lista de contrariedades. O galanteador trajava blazer amarelo ouro com estampas vermelhas e rosas, calça branca, chapéu panamá na cabeça, tênis cor de rosa. Nunca vi aquela figura exótica na minha frente; mas segunda-feira toda improbabilidade pode tornar-se viva e a cores, feito aquele ser, que sorria e piscava para mim. Virei o rosto, contrariada. Contei de um até cinquenta e dois. Estalei os dedos. Comi as unhas. Puxei as pontas do cabelo. Balancei as pernas, impaciente. Fui atendida com pedido de desculpas do funcionário simpático. Aceitei educadamente. Saí do banco, pensando nos próximos passos. Passei na farmácia, comprei remédios de uso contínuo. Começou a cair uma garoa fina e fria, transformando-se em chuva torrencial. Abri a bolsa. Esqueci a sombrinha em cima da mesa. Não sou feita de açúcar. Corri até a minha casa, ensopada dos pés à cabeça. Abri a porta. Tirei a roupa e os sapatos encharcados. Tomei banho quente, reconfortante. Deitei-me relaxadamente. A campainha tocou. Quem poderia ser a esta hora? Meu marido chegaria daqui a duas horas. Provavelmente, pelo horário, o correio. Aguardava ansiosa encomenda realizada na internet. Visto o roupão rapidamente. Desço as escadas, com ânimo revigorado. O fim do dia prometia melhorar. Abri a porta com sorriso no rosto. Dei de cara com minha sogra, que entrou feito uma bala, me comunicando alegremente, que ficaria a semana inteira na nossa casa, para consultas médicas, odontológicas e ginecológicas. Ela morava no interior. Ensaiei sorriso amável e acolhedor. Subi com as malas. Arrumei o quarto dela. Ela se dirigiu ao banheiro para tomar banho. Pior não podia ficar, mas hoje, segunda-feira, tinha chance de dar tudo errado, mais do que nos outros dias da semana. É a lei de Murphy, que conspirou com a perversidade do universo. Suspirei enfadada aceitando a sensação de que hoje será assim: nada a se fazer.

 

Andreia Aparecida Silva Donadon Leal – Deia Leal é Mestre em Letras – Estudos Literários pela UFV. Presidente da ALACIB. Diretora de Projetos Culturais da Aldrava Letras e Artes.