Zoo/lógica Política

Andreia Donadon Leal

 

Zoo/lógica Política

Andreia Donadon Leal

MARIANA [ ABN NEWS ] — Escrevi praticamente nada sobre política nestes últimos meses. Falta de interesse, perguntaram-me alguns alunos. ‘Pois sim, pois não, pois talvez; tenho dúvidas sobre o que responder’. Talvez pela enxurrada de textos bem ou mal engendrados; talvez pelo excesso de material político entrando e saindo pelas frestas das portas das casas (nem pediram autorização para jogar tantos santinhos no quintal!); talvez pelo frisson excessivo e cego de militantes, parentes, amigos, interessados; talvez por preguiça, mesmo; talvez porque escrever mais laudas sobre assunto tão falado, discutido, criticado e lido nos últimos meses tornou-se prática repetitiva/cansativa. Tudo em quanto é lugar ela estava lá, impavidamente presentificada. Sensação similar a empanzinamento estomacal, ou a empanzinamento visual e auditivo. Comeu, bebeu, ouviu, assistiu, gritou, andou, xingou demais? Excesso, prezados entrevistadores; encontrei síntese da síntese que representa meu ponto de vista. Excesso: estômago cheio pelo acúmulo de comida, sensação de enjoamento, chegando à condição miserê de querer soltar os bofes pela boca. Ouviu demais? O ouvido fica repetindo o som em alta potência, feito um maldito zunido na cabeça. Bebeu demais? Independentemente se bebida alcoólica ou não, o estômago ficará sobrecarregado. Líquido pesa horrores, se consumido em quantidade excessiva. Caso tenha teor alcoólico, desnecessário soltar ladainhas sobre o efeito nocivo da manguaça no corpo. É mais ou menos assim, caros.

‘Quanto tempo é desse jeito? Especificamente?’ Inquiriu novo aluno.

‘Sei de nada, especificamente. Talvez desde a época da pedra lascada ou fase paleolítica, termo mais conhecido por Idade da Pedra. Período mais ou menos (falando de História, não sou besta de colocar um precisamente), que vai de 2 milhões até 10 mil anos a.C. É lasqueira discursar sobre assunto mais aventado ultimamente. Falar de política, com liberdade de expressão, sem medo de censuras e represálias, é estar preparado e com o corpo fechado, para receber vivas e vaias. Se o texto for postado na rede social, curtidas, não curtidas, comentários louvando ou depreciando sua opinião, serão publicados em tempo real.’

‘Mas a página no face não é sua?’

‘Mas a publicação na rede, acaba sendo lida e compartilhada por todos os interessados! Sendo assim, o que não passarão ou faltarão serão os bicões, que se sentirão ofendidos, sem sequer serem citados. O texto não apresenta referência sobre determinada pessoa, mas elas tomarão, de antemão, as dores do outro, sem ele saber ou precisar replicar. Há bicões em todos os lados, mas a gente aprende barbaridades com suas críticas e seus comentários alfinetantes.’

‘O que ficará marcado, para você, na eleição?’

‘Não estou querendo voltar no tempo, mas se vocês pensarem bem, tudo é praticamente cíclico, cada tempo com louvores e horrores de sua época. O período da Pré-História se caracterizou pela criação de diversas ferramentas, que não são da internet, mas utensílios para o trabalho e subsistência do homem, como fabricação de machados, facas, lanças e outros objetos feitos com pedra, madeiras e ossos. Tudo era realizado na unha, no braço, no manual, para caçar água e comida. Nessa época de convivência e sobrevivência de pequenos grupos reunidos, acredito que tenham surgido divergências e competições em busca da melhor comida. Por isto, citei que as querelas políticas talvez tenham surgido na Idade da Pedra Lascada! No entanto, o abrigo do homem era em cavernas, não existindo acúmulo de luxos, riquezas, pois tudo era produzido para/pelo grupo, para sobrevivência de toda coletividade!’

Os alunos trocaram olhares interrogativos. Não tinham compreendido a relação do período da Pré-História com as eleições de agora. Também pudera, eu estava sendo sutil, querendo que eles fizessem conjecturas e relações. Ora, se tudo é cíclico, e cada época tem horrores e louvores, por que eles não compreenderam? Imediatismo; querem informações mastigadas, feito os resultados instantâneos das calculadoras, ou as palavras complementadas e corrigidas pelos corretores automáticos. Quanto comodismo! Vamos ao mastigamento de informações.

‘Já que ficaram olhando um para o outro, dizendo telepaticamente, entendi nada, vou mastigar a informação, mas antes: vocês já viram um vídeo na net, em que os internautas usam a imagem de um menino megassimpático, infinitas vezes, para exemplificar todo tipo de mancada e fora alheio? Acho fofo o menino soltando o riso, frisando às gargalhadas: EU NÃO ENTENTI NADA! Vocês acham democrático, o garoto e a família dele desconhecerem o uso de fragmento da filmagem? Democrático, para não ir mais a fundo na questão de direitos de uso da imagem ou prévia autorização, se os internautas procurassem a família do garoto e perguntassem se eles têm conhecimento da viralização do vídeo na internet. Além destas questões, deveriam colocar o nome do ator-guri no vídeo. A exibição merece, ainda, música no Fantástico… Retornando ao assunto. O que ficou, para mim, nas eleições municipais foram as divergências /convergências de opiniões. Até aí tudo bem. Somos uma sociedade livre, independente, democrática. A beleza da democracia está no bom debate, sem farpas, baixarias e ofensas; nas postagens livres na rede social ou em outros meios, sem citações e comentários esculhambatórios. A beleza da democracia está na voz e na autonomia de cada eleitor, que escolhe seus representantes. A beleza da democracia está em cada político eleito que sabe que governar não é acumular riqueza para si ou para seu grupo de apoiadores. Aí está a relação da atualidade da democracia com o período da pedra lascada; tempo em que tudo o que era manufaturado pertencia a todos, e não tinha essa exacerbada noção de posse. A beleza da democracia está no político que sabe que todos os bens que governará pertencem a todos, independentemente de posição partidária. No entanto, as traulitradas continuarão, sendo um dos piores legados da política. Somos seres falhos e isto está em nossa raiz. O quebra-pau sempre existiu. Dessa política ficará registrada a interpelação deseducada e apelativa, justamente na porta de minha casa, de uma militante que não aceitou ouvir: ‘não quero receber os candidatos!’ Disse-lhe, educadamente. Ela fingiu que não estava me perguntando, e soltou a seguinte voadora: não estou falando com você, sua mal humorada! Desde quando falar a verdade é ser mal humorada? Melhor ter travestido um sim fingido e dissimulado, para sobreviver incólume à zoo/lógica política. A hipocrisia é livre, mas não faz parte do meu DNA. Não respondi; não valia e nunca valerá a pena. Que a política, um dia, não transforme pessoas de partidos oponentes em inimigos ferrenhos, pois somos livres, e a grande maioria quer o melhor para o país, o que muda é a forma que cada um tem de buscar a construção desse mundo. Quanto ao incidente no portão, quando a afronta é ofensiva, a gente digere a má resposta, para não perder o direito e a educação, mas (há sempre um ‘mas’) o fato terá lugar em meus escritos como exemplo nunca a ser seguido. Por aqui, por enquanto, o que se viu, o que se falou de ofensivo na política, já net!

‘Entendi nada!’ Frisou outro aluno às gargalhadas.

‘Em situações de alta tensão e descontrole, pedra preciosa para a vida é um dos lados ser mestre do equilíbrio emocional. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, opinião e expressão; se a educação não favorece a compreensão, caros entrevistadores, aguardem os quebra-quebras da nova temporada das eleições.’

Andreia Aparecida Silva Donadon Leal – Deia Leal é Mestre em Letras – Estudos Literários pela UFV. Presidente da ALACIB. Diretora de Projetos Culturais da Aldrava Letras e Artes.